Cortes que transformam vidas

O Corte Solidário é uma ação destinada às guerreiras que lutam contra o câncer, oferecendo autoestima e amor a centenas de mulheres

Por Aline Brehmer 16/03/2018 - 13:30 hs
Foto: Beto Fotografias
Cortes que transformam vidas
Aos oito anos de idade, Nataly decidiu cortar suas madeixas e doá-las à Rede Feminina de Indaial

Aos poucos, todos os fios de cabelo e pelos do corpo começaram a cair. Primeiro foram as madeixas, tão bem cuidadas por tanto tempo, mas que foram se desprendendo. Depois foi a vez das sobrancelhas, dos cílios e consequentemente, de todos os pelos do corpo.

Diariamente, a imagem refletida no espelho mudava cada vez mais. Era uma espécie de transformação inevitável, mas dentre todas as escolhas que Tassiana Fronza ainda tinha para fazer naquele momento, ela optou por lutar e encontrou, da sua própria forma, um novo modelo de beleza que era único – o seu.

A descoberta do câncer, aos 36 anos de idade, mudou sua vida e também da filha de oito anos, Nataly Sasso, que foi a principal fonte de força e otimismo para que Tassi, como é chamada, pudesse reagir.

“Eu não deixei de fazer nada. Passei por uma fase muito difícil da minha vida sim, mas eu aprendi a me amar no meio dessa tempestade. Fiz até ensaios quanto estava careca, sempre fui vaidosa e aos poucos fui descobrindo novos acessórios, como os lenços e as perucas. Não deixei de me amar e querer bem”, relata.

Enquanto ela conta sua história, por coincidência, está no local que a auxiliou de muitas formas durante o último um ano: o Salão da Sola, onde aconteceu há alguns dias uma ação especial (e transformadora) voltada ao Dia Internacional da Mulher.

Corte Solidário – ação que transforma vidas

Na realidade, é ali nesse salão que a história dessa reportagem surgiu. Isso porque a proprietária do local Solange Dalven, de 37 anos, que é amiga de Tassiana e tantas outras mulheres vítimas e vencedoras do câncer, iniciou há três anos uma ação solidária que vem transformando inúmeras vidas.

“O ‘Corte Solidário’, como chamamos, é uma iniciativa que tive justamente pelo fato de muitas clientes minhas estarem descobrindo ter câncer. Elas vinham até aqui e pediam para raspar seus cabelos, que já estavam caindo e enfraquecidos”, relembra.

Sola, como é conhecida entre as clientes, diz que ao contrário do que já ouviu de algumas pessoas, o cabelo até pode não ser o mais importante diante de uma situação como essa, mas sem dúvida gera um grande impacto na vida das mulheres (e também dos homens).

“O câncer é um conjunto de fatores e essa união gera diversos efeitos colaterais, digo isso porque quase todo mês aparece uma cliente minha comunicando que está com a doença.

É uma fase muito difícil da vida, então pensei que, através da minha profissão, eu poderia encontrar um meio de auxiliar, e foi o que fiz”, diz a cabeleireira.

Ações voltadas à RFCC

Em 2016 o Corte Solidário teve sua primeira edição, sendo realizado na terça-feira da semana do dia 8 de março, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (como acontece até hoje).

Nessa data, Sola sempre tira o dia inteiro para fazer cortes, sendo que as doações de madeixas são encaminhadas à Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC) de Indaial – assim como o valor obtido.

“Algumas pessoas vieram apenas para doar um valor simbólico. Toda a renda foi encaminhada à Rede, onde as perucas são confeccionadas e ficam à disposição da comunidade”, explica Sola.

Uma doação para nunca mais esquecer

Foi justamente nesta semana, na terceira edição da ação, que uma atitude comoveu e surpreendeu a todos. Tassiana esteve lá e trouxe junto sua filha, Nataly.

“Eu disse à Sola que não poderia fazer a doação porque meu cabelo está crescendo de novo agora e é muito curto ainda. Nessa hora minha filha me olhou e disse: ‘mas eu posso, mãe’”, revela comovida.

Com apenas oito anos, Nataly se dispôs a doar seu cabelo para a Rede e, segundo a mãe, se mostrou muito contente e satisfeita após fazer o corte. “Ela estava com um sorriso de orelha a orelha, saiu toda feliz daqui.

Na hora em que ela me disse que queria cortar e fazer a doação, eu conversei bastante com ela, mas a Nataly se mostrou muito segura e firme em sua decisão, tanto que ao chegar em casa ela me que queria ter cortado até mais curto. Com certeza para mim foi muito emocionante presenciar isso, porque minha filha acompanhou todos os melhores e piores momentos, viveu comigo essa fase difícil. Senti muito orgulho dela”, compartilha Tassi.

Crianças e adolescentes na corrente de solidariedade

A ação chamou a atenção e sensibilizou muita gente, mas Sola destaca que, apesar de muitos adultos, tanto homens quanto mulheres, fazerem doações assim, o número de crianças e adolescentes que chega no local para participar dessa corrente de solidariedade é expressivo.

Hoje, a RFCC da cidade conta com um grande acervo de perucas, que está à disposição para quem precisar. “Recebemos muitas doações e até pelo número de perucas que temos ali para emprestar, chega a ser baixa a quantidade de pessoas que nos procuram com essa finalidade”, diz a presidente da Rede, Jussaná Nagel.

Ela ainda comenta que, infelizmente, hoje muitas pessoas que lutam contra o câncer são vistas com receio. “A procura por perucas ultrapassa o lado estético, é também voltada a autoestima. É uma mudança muito drástica que ocorre na vida daquela pessoa, por isso, além dos exames de prevenção que disponibilizamos aqui na Rede, também procuramos fazer algo a mais por essas mulheres, como as perucas, que são confeccionadas pela Mara Gracinto”, relata.

Tassi concorda com a amiga e complementa, informando que durante o último um no qual lutou contra o câncer de mama – do qual hoje está livre – fez muito o uso de lenços e perucas, principalmente para evitar olhares e questionamentos, além da exposição, já que durante o período de quimioterapia, por ficar com a cabeça completamente exposta, é uma das partes do corpo que fica muito mais sensível.

“As pessoas pensam que somos feitos de papel. Às vezes nem nos dão o direito de sermos felizes justamente por estarmos doente. A palavra câncer não é sinônimo de morte como muitos pensam. Eu tive câncer galopante, muito agressivo e precisei retirar as duas mamas, mas posso dizer com toda a certeza que hoje, assim como tantas outras mulheres, me sinto recuperada, saudável, feliz e livre”, garante.

A história de Tassiana refleta a de muitas outras mulheres que, através da iniciativa de Sola e do trabalho da Rede, encontraram uma nova forma de ver a vida, sem se deixar desmotivar e vencer por uma doença que é tão traiçoeira quanto injusta.