101 anos com muito para agradecer (e viver)

Lourenço Stolf assoprou as velinhas em janeiro deste ano. Hoje, garante que sua grande alegria é estar rodeado pela família que construiu junto à esposa, Graciosa

Por Aline Brehmer 29/03/2018 - 09:26 hs
Foto: Rafael David
101 anos com muito para agradecer (e viver)
Após resistir a um grave problema de coração, Lourenço não perdeu a simpatia e vontade de viver

Um sorriso no rosto que transmite o otimismo e uma vontade incrível de viver. Essa é a primeira impressão que tenho ao conhecer pessoalmente o senhor Lourenço Stolf, uma pessoa que além de ser marido, pai, avô e também bisavô, traz consigo inúmeras relíquias – partes de sua trajetória nessa caminhada, que já dura 101 anos.

O senhor Lourenço prova que a idade, realmente, é um mero detalhe. Em seu acervo de memórias, ele guarda cada momento especial que viveu nessas mais de dez décadas, histórias e acontecimentos que transformaram sua vida desde que nasceu, em 1917, na cidade de Rio dos Cedros.

“Moro em Timbó faz uns 42 anos e amo essa cidade”, revela. Entre os fatos mais marcantes de sua trajetória, está o casamento com sua amada Graciosa Bertoldi Stolf (em memória) e também a chegada de cada um dos nove filhos: José Stolf (61 anos), Érica Stolf Linz (63 anos), Maria Frare (65 anos), Terezinha Stolf Salvador (67 anos), Lourdes Stolf (71 anos), Maria de Noriller, Beatriz Stolf (73 anos), Heitor Stolf (75 anos) e Emiliano Stolf (em memória).

Sonhos que não têm idade

Quando começo a conversar com o senhor Lourenço, ele não deixa que sua idade seja o assunto principal dessa reportagem, muito pelo contrário, faz questão de evidenciar o que é realmente especial em sua vida, e quem nos conta uma de suas aventuras é a filha Carmen Stolf Salvador, de 69 anos.

“O meu avô veio da Itália para o Brasil há muitos anos, e foi aqui que meu pai nasceu. Lembro que desde quando eu e meus irmãos éramos pequenos, ele sempre nos dizia que queria conhecer a casa onde o pai dele nasceu, o lugar onde morou.

Na época não achávamos que isso iria acontecer, afinal, a gente morava no interior e trabalhávamos todos na roça. Só que, quando o pai completou 82 anos, ele foi atrás disso e realizou esse sonho. Junto com meus irmãos e suas famílias, ele conheceu a Itália e a casa do meu nono. Foi uma experiência única”, relata com emoção.

Lourenço completou 101 anos em janeiro de deste ano, mas de antemão Carmen já adianta que ele com certeza vai assoprar as velinhas dos 102.

Tudo é novo e diferente

Durante nosso bate papo, senhor Lourenço recorda do quanto era difícil e pesado o trabalho que fazia na roça desde pequeno. “Eu colocava um balaio de milho nas costas e ia, subia e descia os barrancos que tinham. Trabalhei muito nas arrozeiras também”, relembra.

Diante de tudo o que viveu, a realidade dos dias atuais surpreende e até assusta não somente a Lourenço, mas também a Carmen. “A gente nasceu em outra época e cresceu em outro ambiente. Com o tempo, tudo foi ficando mais fácil, só que muitas pessoas acabaram se acomodando por isso. A tecnologia e as facilidades, ao invés de serem vistas como suporte, tornaram muitos dependentes”, desabafa ela que, durante sua infância e juventude, trabalhou junto ao pai.

Já seu Lourenço, quando faz uma breve comparação de 100 anos atrás com hoje, garante que a lição que aprendeu continua repassando por considerar sempre válida. “Quem tem vontade trabalha, quem não tem, não sai do lugar”, alerta.

A cada novo desafio, uma superação ainda maior

Por falar em sair do lugar, é com um sorriso que o senhor Lourenço nos apresenta seu atual companheiro de locomoção: o andador. É com ele que vai até a varanda, passeia pela casa e também quando sai com sua filha, o genro Gelásio Tercílio Salvador, de 66 anos e o neto, Juarez Salvador, de 39 anos (com quem mora atualmente).

Em muitos pontos ele permanece independente, mas, devido a um problema de saúde que teve há cerca de dois anos, se viu obrigado a passar por um novo teste em sua vida, encarando limitações que até então lhes eram desconhecidas.

“O pai quando tinha seus 97 anos andava direto de bicicleta. Ele saía com os grupos de idosos e não parava em casa, adorava passear. Mas já faz algum tempo que ele teve um resfriado forte, o que acabou resultando em um problema no pulmão”, comenta Carmen.

Foi uma situação que se agravou e exigiu sua internação, além da colocação de um marcapasso. “Dá para dizer que meu pai teve uma nova chance, por que foi grave o que ele enfrentou. Quem cuidou do tratamento dele nesse tempo foi um dos netos, que é cardiologista.

Ele precisou tirar água do pulmão e fazer tratamento, mas graças a Deus foi mais forte que isso tudo e está aqui conosco hoje, saudável”, agradece a filha.

Existe segredo?

Ainda quando se trata da saúde de Lourenço, algo que fica evidente logo quando chego à sua casa é que ele gosta de sentir a brisa das árvores – principalmente em dias quentes e abafados, que acabam prejudicando sua saúde.

“De fato o calor não faz bem a ele. Quando ele veio morar conosco, nós adaptamos a casa para que ele ficasse com o quarto da frente, que tem uma varanda com bastante espaço e principalmente de onde dá para sentir muito o vento lá de fora”, explica Carmen.

Tanto ela quanto o pai preferem o balanço das árvores aos meios tecnológicos de frescor, como o ventilador ou ar condicionado.

Como não poderia deixar de ser, não resisto e questiono seu Lourenço sobre o qual é o grande segredo – não tanto pela idade que alcançou, mas sim pela disposição e alegria que trouxe consigo durante todos esses anos.

Ainda que ele diga não saber com exatidão, comenta sobre vários detalhes que, sem dúvida, ainda fazem toda a diferença. “Eu nunca fui de beber cerveja ou refrigerante, assim como também não gosto de comer produtos industrializados ou enlatados. Algo que fiz quando mais novo foi fumar charuto, mas assim que o médico alertou que era hora de parar, eu parei”, garante. E, quando o assunto é alimentação, é claro que o prato do dia sempre vai ser a polenta, preferência número um dos italianos.

“Gosto com linguiça, queijo, ovo, polenta vai bem com tudo”, diz entre risos – e Carmen concorda. No decorrer da entrevista, pai e filha trocam informações e conversas em italiano, uma linguagem que vem de berço e é natural no dia a dia da família Stolf.

Família unida

Chegando ao fim da entrevista (que na verdade foi uma verdadeira aula de conhecimento e despertou admiração), fica evidente que estar rodeado da família é o melhor momento para o patriarca.

“Nem todos os filhos moram aqui. Um dos meus irmãos, o Emiliano, já é falecido. Foi sem dúvida um dos momentos mais difíceis para todos nós. Felizmente, sempre fomos unidos, apesar de não morarmos tão perto e, quando os bisnetos chegam, as crianças fazem e alegria dessa casa e de todos que estão por perto”, relata Carmen.

Convivendo diariamente com o pai há cerca de 14 anos, sua gratidão por ter tido a oportunidade de viver todo esse tempo ao seu lado vai além das palavras. “Perdemos a mãe nova, ela tinha somente 61 anos quando um problema no coração acabou interrompendo sua vida. Mas agradeço por estar junto do meu pai, é muito bom.

Ele inclusive continua me surpreendendo ainda hoje, contando histórias e acontecimentos dos quais eu nem fazia ideia”, comenta a filha mais velha, ao mesmo tempo em que eles trocam sorrisos.

E é com essa alegria e amor que se despedem, retomando seus afazeres e aproveitando um vento agradável que começa a soprar naquele momento pelos arredores de sua casa.